segunda-feira, 8 de março de 2010

Evolução do arcabouço institucional das indústrias energéticas no Brasil

Reproduzo abaixo texto do prof. Edmar de Almeida, do IE/UFRJ.

Evolução do arcabouço institucional das indústrias energéticas no Brasil

In energia on 01/03/2010 at 01:00

Por Edmar de Almeida

Desde a década de 1990, o setor de energia no Brasil tem sido um laboratório em busca de uma nova forma de organização industrial e de um novo arcabouço institucional que viabilizem a introdução do capital privado, sem comprometer a segurança do abastecimento. A taxa relativamente elevada de crescimento da demanda de energia e a grande dimensão da economia brasileira representam um grande desafio para garantir o nível de investimento necessário à segurança do abastecimento energético.

A liberalização do setor energético na década de 1990 tentou reduzir drasticamente o papel do Estado nessa atividade. Essa reforma não teve os resultados desejados. O investimento privado não conseguiu garantir a expansão do setor energético brasileiro no volume e velocidade necessários. Ademais, vários aspectos específicos do mercado brasileiro de energia representaram importantes obstáculos ao investimento privado: i) o custo marginal de expansão crescente; ii) a presença de grandes empresas públicas de energia; iii) as incertezas significativas sobre a trajetória dos preços da energia; iv) e a falta de planejamento da expansão da oferta de energia.

A crise do fornecimento de eletricidade em 2001 desencadeou um processo de ajustes significativos no quadro institucional da indústria brasileira de energia para ajudar a acelerar o ritmo dos investimentos. Na segunda metade da década atual, a reforma liberal do setor de energia no Brasil passou por grandes ajustes, em busca de um novo compromisso entre o papel do Estado e do setor privado na dinâmica econômica da indústria brasileira de energia. Novas leis para o gás e a eletricidade foram aprovadas. Uma nova lei para o setor petrolífero está sendo discutida no Congresso.

Essas novas leis foram resultado de uma estratégia política radicalmente diferente para o setor, a partir do primeiro governo Lula. Inicialmente, os efeitos negativos da crise energética na economia e seus efeitos políticos levaram o novo governo a rever o quadro institucional e a regulação do setor elétrico brasileiro. O principal objetivo desta reforma foi fornecer ao governo federal novos mecanismos de coordenação para garantir a segurança energética. As principais orientações da nova política energética foram:

  • prioridade à segurança do abastecimento;
  • desenho institucional mais centralizado, reforçando o papel do governo federal na ampliação da oferta de energia;
  • menor ênfase na concorrência operacional e maior importância para competição por novos investimentos;
  • suspensão do processo de privatização e retorno das empresas públicas como atores-chave da expansão do setor elétrico.

O esforço para aumentar o ritmo dos investimentos públicos e privados no setor foi caracterizado pela busca de mecanismos de coordenação e redução das incertezas para o investimento. Novos mecanismos de coordenação do processo de investimentos foram introduzidos. Estes mecanismos são de duas naturezas distintas: de coordenação econômica e de coordenação institucional. Os principais mecanismos de coordenação econômica que têm permitido a redução da incerteza dos investimentos são:

i) a retomada do planejamento indicativo de expansão da oferta de energia;

ii) o desenvolvimento de projetos mais complexos sob a liderança do governo federal;

iii) a fixação de um preço de reserva para o preço da energia vendida;

iv) os contratos de longo prazo para venda de eletricidade e capacidade de transporte de gás e eletricidade;

v) os leilões públicos de contratos de longo prazo e de blocos de exploração de petróleo e gás.

O planejamento indicativo de longo-prazo é o primeiro passo na definição de projetos para expandir a oferta de eletricidade. O trabalho de planejamento inclui a identificação de estudos de potencial hidráulico, além de propor projetos específicos de maior complexidade (grandes usinas hidrelétricas ou nucleares) e projetos de expansão da transmissão de eletricidade e gás. O Ministério de Minas e Energia também está envolvido em estudos para calcular o preço de reserva de cada projeto proposto, inclusive os propostos por empresas públicas e privadas. Ou seja, a tarifa máxima para venda de eletricidade para cada projeto ou o tipo de central no mercado regulado. Assim, o Estado tem um papel importante na elaboração de projetos para expandir a oferta de eletricidade.

Os projetos propostos se transformarão em contratos de longo-prazo através de um processo de leilão para seleção dos projetos mais econômicos. No caso da produção de eletricidade, há dois tipos de leilões: i) o leilão para determinar quais serão os investidores em projetos definidos pelo governo, como as grandes usinas hidrelétricas, que têm o direito automático de contrato longo prazo; ii) leilão entre os diferentes projetos para a atribuição de contratos de longo prazo com base no menor preço.

Para viabilizar a implementação de novos mecanismos de coordenação econômica, diversos novos mecanismos institucionais tiveram que ser criados. Dentre estes novos mecanismos institucionais destaca-se o papel da Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que viabilizou a retomada do planejamento e a coordenação do processo de investimento no setor elétrico e a reabilitação do Conselho Nacional de Política Energética. Este último, apesar de ter sido criado pela lei 9478 de 1997, ganhou relevância enquanto espaço de decisão política no governo Lula.

O Ministério de Minas e Energia passou a focar a sua atuação na coordenação do processo de negociação política entre os diferentes agentes que atuam no setor energético nacional: Empresa de Planejamento Energético, Agencia Nacional do Petróleo, Agencia Nacional de Energia Elétrica, Agencia Nacional de Águas, Operador Nacional do Sistema, Comissão de Monitoramento do Setor Elétrico, Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, empresas estatais, associações empresariais e de consumidores.

Este novo arranjo institucional representou um avanço importante para desatar o grande nó institucional que vigorou no país durante a década de 1990, caracterizado pela superposição de responsabilidades entre os diferentes agentes públicos e por uma significativa incerteza quanto ao processo decisório das políticas energéticas.

A experiência brasileira nos permite tirar algumas lições importantes: i) a liberalização do mercado não garante automaticamente a segurança do abastecimento energético; ii) o investimento privado em países em desenvolvimento como o Brasil enfrenta riscos econômicos e institucionais mais elevados que nos países centrais; iii) estes riscos podem ser reduzidos através da adoção de mecanismos coordenação de natureza institucional e econômica; iv) finalmente, mesmo nos casos em que os Estados optam por se retirar da atividade de produção energia, eles têm um papel importante no desenvolvimento e implementação de mecanismos de coordenação para reduzir os riscos dos investimentos privados para a segurança do abastecimento energético.

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